Será que aplicações de telemóvel nos conseguem ajudar a combater a pandemia do SARS-CoV-2?

Resumo:

  1. Actualmente, são sugeridos dois tipos diferentes de aplicações: aplicações com questionários e aplicações rastreamento de contacto.
  2. As aplicações com questionários têm como objectivo providenciar investigadores e políticos com acesso, em tempo real, da propagação do vírus na população. Isto é conseguido através de uma série de perguntas feitas ao utilizador sobre os seus sintomas.
  3. O objectivo das aplicações de rastreamento de contacto é alertar indivíduos que tenham estado em contacto próximo com um portador de vírus. Isto é conseguido através da detecção e gravação de todos os contactos do seu utilizador com terceiros via Bluetooth.
  4. As duas aplicações demonstraram, em estudos científicos controlados, ser eficazes na gestão da propagação do vírus.
  5. Especialistas em segurança de dados e questões éticas, demonstraram preocupações relacionadas com a segurança e eficácia dos dados recolhidos por estas aplicações na vida real.
  6. É recomendado verificar as fontes oficiais (por exemplo, sites do governo) para obter informações sobre quais as aplicações a usar em países específicos.

Cada vez mais países estão a reduzir parcialmente as medidas de distanciamento social adoptadas no início da pandemia do COVID-19. No entanto, a taxa global de infecção ainda se mantem na ordem dos 100 000 novos casos por dia [1]. Com a necessidade de devolver algum tipo de normalidade às pessoas [2], mas sendo impraticável testar toda a população, políticos e especialistas estão a olhar para aplicações de telemóvel como ferramentas para tornar as medidas de contenção do vírus mais direccionadas e eficazes.

No geral, o uso destas aplicações é voluntário e as aplicações propostas podem ser divididas em aplicações com questionários e aplicações com rastreamento de contacto.

O objectivo das aplicações com questionários é estimar se um indivíduo está infectado com o SARS-CoV-2 através de uma série de perguntas sobre o utilizador e seus sintomas. Juntamente com os dados de localização, estes dados são pseudo anónimos * e armazenados em bases de dados centralizadas. Os cientistas podem então usar essa informação, por exemplo, para modelar onde estão os epicentros da propagação do vírus e como estes se desenvolvem [3]. Estas informações são cruciais para tornar as medidas de combate ao vírus eficazes, sendo que usando métodos tradicionais seria impossível de obter em larga escala [4]. No entanto, como o diagnóstico do COVID-19 é baseado apenas nas respostas do utilizador e não em exames médicos, este método é apenas eficaz a nível populacional e não serve como teste para a generalidade dos utilizadores [5]. Além disso, os cientistas enfrentam vários desafios estatísticos ao trabalhar com informações provenientes de aplicações, tais como não ter controlo sobre que grupos sociais contribuem – por exemplo, bebés e idosos provavelmente estão sub-representados [5].

Aplicações de rastreamento de contacto têm como objectivo aconselhar o auto-isolamento dos seus utilizadores, aquando do contacto com alguém infectado com COVID-19. Isto é obtido da seguinte forma: o utilizador da aplicação tem-na instalada no seu telemóvel. Quando este entra em contacto próximo com outro utilizador, os seus telemóveis registam o contacto trocando a identificação do utilizador via Bluetooth. Se um dos utilizadores posteriormente reportar um teste para COVID-19 positivo, o outro utilizador será notificado para se auto-isolar. É importante observar que nenhuma informação sobre a identidade do utilizador positivo será compartilhada nesta notificação. Além de permitir o ‘isolamento informado’, este sistema também permite que os investigadores rastreiem a propagação do vírus ao pormenor. Foi demonstrado que o rastreamento de contacto entre indivíduos pode ser uma ferramenta eficaz para os epidemiologistas [6]. No entanto, embora os estudos teóricos mostrem que estas aplicações possam ser uma ferramenta eficiente contra a disseminação do COVID-19 [7], a participação do utilizador e a precisão da proximidade de rastreamento são os principais desafios que precisam de ser superados para que estas aplicações sejam realmente eficazes [8].

Dada a natureza pessoal e sensível dos dados recolhidos, as aplicações de rastreamento de contacto têm que corresponder a elevados critérios de protecção de dados [9]. Neste contexto, estas aplicações podem ser categorizados de acordo com a sua arquitectura: “centralizadas” ou “descentralizadas”. As aplicações com arquitecturas centralizadas compartilham a informação de saúde do utilizador e todos os seus contactos com uma base de dados central, que calcula se o utilizador esteve em contacto com alguém que testou positivo para o COVID-19 e revela apenas esta informação.

Aplicações descentralizadas armazenam os contactos do utilizador localmente (no seu telemóvel) e compartilham apenas o estado de saúde com a base de dados, o que por sua vez, fornece o acesso a uma lista completa do estado de saúde dos seus utilizadores (pseudo anónimo). A aplicação calcula, localmente, os contactos com utilizadores potencialmente positivos. Os especialistas em segurança de dados recomendam fortemente que as aplicações de rastreamento de contactos sejam descentralizados [10, 11].

Aplicações móveis podem ser ferramentas poderosas para rastrear a propagação do vírus SARS-CoV-2 e nos informar sobre a potencial necessidade de auto-isolamento.
Aplicações móveis podem ser ferramentas poderosas para rastrear a propagação do vírus SARS-CoV-2 e nos informar sobre a potencial necessidade de auto-isolamento.

No geral, houve um aumento do número de aplicações relacionadas com a pandemia do COVID-19 e, embora muitas delas sejam desenvolvidos em cooperação com especialistas de saúde, algumas são projectados para enganar o utilizador usando malware [12]. Portanto, é importante consultar fontes oficiais (por exemplo, o site do governo) para obter conselhos sobre quais as aplicações usar antes de instalar qualquer uma.

Resumindo, as aplicações podem ser uma ferramenta poderosa para políticos e investigadores controlarem o desenvolvimento da pandemia do COVID-19 e definirem medidas de combate eficazes. Além disso, após o relaxamento das medidas de contenção, o auto-isolamento aconselhado através de aplicações de rastreamento de contactos pode ser uma estratégia eficaz para minimizar a propagação do vírus. No entanto, como os dados recolhidos por estas aplicações contêm informações médicas e de localização pessoais, é imperativo que estas cumpram os mais elevados requisitos de segurança de dados. Por fim, resta ver o desempenho destas aplicações contra o COVID-19 na vida real.

* Substituir a identidade do utilizador por um identificador artificial, na informação fornecida à base de dados, de maneira a permitir uma re-identificação anónima.

Referências:

  1. WHO, Coronavirus disease (COVID-19) Situation Report – 116. 2020, World Health Organization.
  2. Brunier, A., et al., Substantial investment needed to avert mental health crisis. 2020, World Health Organisation.
  3. Menni, C., Real-time tracking of self-reported symptoms to predict potential COVID-19, Nature Medicine, 2020.
  4. Rossmann H., A framework for identifying regional outbreak and spread of COVID-19 from one-minute population-wide surveys, Nature Medicine, 2020.
  5. Drew, D.A., Nguyen, L.H., et al., Rapid implementation of mobile technology for real-time epidemiology of COVID-19, Science, 2020.
  6. Bi, Q., et al., Epidemiology and transmission of COVID-19 in 391 cases and 1286 of their close contacts in Shenzhen, China: a retrospective cohort study, The Lancet Infectious Diseases, 2020.
  7. Feretti, L., Wymant, C., et al., Quantifying SARS-CoV-2 transmission suggests epidemic control with digital contact tracing, Science, 2020
  8. Stewart, A., Ensuring contact tracing apps are effective, responsive and part of an integrated publication health response to reduce R, Oxford University Media Update, 2020.
  9. Parker, M.J., et al., Ethics of instantaneous contact tracing using mobile phone apps in the control of the COVID-19 pandemic, Journal of Medical Ethics, 2020.
  10. Troncoso, C., et al., Decentralized Privacy-Preserving Proximity Tracing, 2020.
    https://github.com/DP-3T/documents
  11. Fraser, C., Digital contact tracing: comparing the capabilities of centralised and decentralised data architectures to effectively suppress the COVID-19 epidemic whilst maximising freedom of movement and maintaining privacy,
    https://github.com/BDI-pathogens/covid-19_instant_tracing
  12. Hazum, A., COVID-19 goes mobile: Coronavirus malicious applications discovered, cp Check Point Research, 2020.