Será que aplicações de telemóvel nos conseguem ajudar a combater a pandemia do SARS-CoV-2?
Resumo:
- Actualmente, são sugeridos dois tipos diferentes de aplicações: aplicações com questionários e aplicações rastreamento de contacto.
- As aplicações com questionários têm como objectivo providenciar investigadores e políticos com acesso, em tempo real, da propagação do vírus na população. Isto é conseguido através de uma série de perguntas feitas ao utilizador sobre os seus sintomas.
- O objectivo das aplicações de rastreamento de contacto é alertar indivíduos que tenham estado em contacto próximo com um portador de vírus. Isto é conseguido através da detecção e gravação de todos os contactos do seu utilizador com terceiros via Bluetooth.
- As duas aplicações demonstraram, em estudos científicos controlados, ser eficazes na gestão da propagação do vírus.
- Especialistas em segurança de dados e questões éticas, demonstraram preocupações relacionadas com a segurança e eficácia dos dados recolhidos por estas aplicações na vida real.
- É recomendado verificar as fontes oficiais (por exemplo, sites do governo) para obter informações sobre quais as aplicações a usar em países específicos.
Cada vez mais países estão a reduzir parcialmente as medidas de distanciamento social adoptadas no início da pandemia do COVID-19. No entanto, a taxa global de infecção ainda se mantem na ordem dos 100 000 novos casos por dia [1]. Com a necessidade de devolver algum tipo de normalidade às pessoas [2], mas sendo impraticável testar toda a população, políticos e especialistas estão a olhar para aplicações de telemóvel como ferramentas para tornar as medidas de contenção do vírus mais direccionadas e eficazes.
No geral, o uso destas aplicações é voluntário e as aplicações propostas podem ser divididas em aplicações com questionários e aplicações com rastreamento de contacto.
O objectivo das aplicações com questionários é estimar se um indivíduo está infectado com o SARS-CoV-2 através de uma série de perguntas sobre o utilizador e seus sintomas. Juntamente com os dados de localização, estes dados são pseudo anónimos * e armazenados em bases de dados centralizadas. Os cientistas podem então usar essa informação, por exemplo, para modelar onde estão os epicentros da propagação do vírus e como estes se desenvolvem [3]. Estas informações são cruciais para tornar as medidas de combate ao vírus eficazes, sendo que usando métodos tradicionais seria impossível de obter em larga escala [4]. No entanto, como o diagnóstico do COVID-19 é baseado apenas nas respostas do utilizador e não em exames médicos, este método é apenas eficaz a nível populacional e não serve como teste para a generalidade dos utilizadores [5]. Além disso, os cientistas enfrentam vários desafios estatísticos ao trabalhar com informações provenientes de aplicações, tais como não ter controlo sobre que grupos sociais contribuem – por exemplo, bebés e idosos provavelmente estão sub-representados [5].
Aplicações de rastreamento de contacto têm como objectivo aconselhar o auto-isolamento dos seus utilizadores, aquando do contacto com alguém infectado com COVID-19. Isto é obtido da seguinte forma: o utilizador da aplicação tem-na instalada no seu telemóvel. Quando este entra em contacto próximo com outro utilizador, os seus telemóveis registam o contacto trocando a identificação do utilizador via Bluetooth. Se um dos utilizadores posteriormente reportar um teste para COVID-19 positivo, o outro utilizador será notificado para se auto-isolar. É importante observar que nenhuma informação sobre a identidade do utilizador positivo será compartilhada nesta notificação. Além de permitir o ‘isolamento informado’, este sistema também permite que os investigadores rastreiem a propagação do vírus ao pormenor. Foi demonstrado que o rastreamento de contacto entre indivíduos pode ser uma ferramenta eficaz para os epidemiologistas [6]. No entanto, embora os estudos teóricos mostrem que estas aplicações possam ser uma ferramenta eficiente contra a disseminação do COVID-19 [7], a participação do utilizador e a precisão da proximidade de rastreamento são os principais desafios que precisam de ser superados para que estas aplicações sejam realmente eficazes [8].
Dada a natureza pessoal e sensível dos dados recolhidos, as aplicações de rastreamento de contacto têm que corresponder a elevados critérios de protecção de dados [9]. Neste contexto, estas aplicações podem ser categorizados de acordo com a sua arquitectura: “centralizadas” ou “descentralizadas”. As aplicações com arquitecturas centralizadas compartilham a informação de saúde do utilizador e todos os seus contactos com uma base de dados central, que calcula se o utilizador esteve em contacto com alguém que testou positivo para o COVID-19 e revela apenas esta informação.
Aplicações descentralizadas armazenam os contactos do utilizador localmente (no seu telemóvel) e compartilham apenas o estado de saúde com a base de dados, o que por sua vez, fornece o acesso a uma lista completa do estado de saúde dos seus utilizadores (pseudo anónimo). A aplicação calcula, localmente, os contactos com utilizadores potencialmente positivos. Os especialistas em segurança de dados recomendam fortemente que as aplicações de rastreamento de contactos sejam descentralizados [10, 11].
No geral, houve um aumento do número de aplicações relacionadas com a pandemia do COVID-19 e, embora muitas delas sejam desenvolvidos em cooperação com especialistas de saúde, algumas são projectados para enganar o utilizador usando malware [12]. Portanto, é importante consultar fontes oficiais (por exemplo, o site do governo) para obter conselhos sobre quais as aplicações usar antes de instalar qualquer uma.
Resumindo, as aplicações podem ser uma ferramenta poderosa para políticos e investigadores controlarem o desenvolvimento da pandemia do COVID-19 e definirem medidas de combate eficazes. Além disso, após o relaxamento das medidas de contenção, o auto-isolamento aconselhado através de aplicações de rastreamento de contactos pode ser uma estratégia eficaz para minimizar a propagação do vírus. No entanto, como os dados recolhidos por estas aplicações contêm informações médicas e de localização pessoais, é imperativo que estas cumpram os mais elevados requisitos de segurança de dados. Por fim, resta ver o desempenho destas aplicações contra o COVID-19 na vida real.
* Substituir a identidade do utilizador por um identificador artificial, na informação fornecida à base de dados, de maneira a permitir uma re-identificação anónima.
Referências:
- WHO, Coronavirus disease (COVID-19) Situation Report – 116. 2020, World Health Organization.
- Brunier, A., et al., Substantial investment needed to avert mental health crisis. 2020, World Health Organisation.
- Menni, C., Real-time tracking of self-reported symptoms to predict potential COVID-19, Nature Medicine, 2020.
- Rossmann H., A framework for identifying regional outbreak and spread of COVID-19 from one-minute population-wide surveys, Nature Medicine, 2020.
- Drew, D.A., Nguyen, L.H., et al., Rapid implementation of mobile technology for real-time epidemiology of COVID-19, Science, 2020.
- Bi, Q., et al., Epidemiology and transmission of COVID-19 in 391 cases and 1286 of their close contacts in Shenzhen, China: a retrospective cohort study, The Lancet Infectious Diseases, 2020.
- Feretti, L., Wymant, C., et al., Quantifying SARS-CoV-2 transmission suggests epidemic control with digital contact tracing, Science, 2020
- Stewart, A., Ensuring contact tracing apps are effective, responsive and part of an integrated publication health response to reduce R, Oxford University Media Update, 2020.
- Parker, M.J., et al., Ethics of instantaneous contact tracing using mobile phone apps in the control of the COVID-19 pandemic, Journal of Medical Ethics, 2020.
- Troncoso, C., et al., Decentralized Privacy-Preserving Proximity Tracing, 2020.
https://github.com/DP-3T/documents - Fraser, C., Digital contact tracing: comparing the capabilities of centralised and decentralised data architectures to effectively suppress the COVID-19 epidemic whilst maximising freedom of movement and maintaining privacy,
https://github.com/BDI-pathogens/covid-19_instant_tracing - Hazum, A., COVID-19 goes mobile: Coronavirus malicious applications discovered, cp Check Point Research, 2020.