Quem está atrás do volante de um veículo autónomo?
Sumário:
- Os carros autónomos usam diferentes informações sensoriais para avaliar uma determinada situação e reagir apropriadamente.
- Estes revêm e actualizam constantemente as suas decisões de acordo com as mudanças nas suas redondezas.
- Carros autónomos podem comunicar com outros veículos para evitar acidentes e aumentar o fluxo de tráfego automóvel.
- Várias questões, como responsabilidade em caso de acidentes ou privacidade do passageiro, ainda precisam ser exploradas.
Os carros autónomos são umas das tecnologias mais esperadas. Em princípio, estes carros têm o potencial de dar mais mobilidade a pessoas com deficiência (1), diminuir as mortes relacionadas com acidentes de trânsito em até 90% (2) e dar à economia mundial um aumento de sete trilhões de dólares (3). Neste artigo, explicamos as principais tecnologias que aceleraram o desenvolvimento destes veículos e como estas são integradas para criar veículos autónomos.
A primeira máquina considerada como um veículo autónomo foi o “Stanford Cart”, que foi construído e desenvolvido na década de 1970 como um protótipo de veículos rover que poderiam ser usados em missões espaciais noutros planetas. Este veículo foi capaz de detectar obstáculos na sua proximidade e planear a sua rota adequadamente. Este nível de autonomia era necessário, uma vez que o controlo remoto de um veículo localizado noutro planeta não era viável, devido ao tempo que leva enviar comandos de trás para a frente – três minutos em cada direcção, no caso de Marte. Porém, o rover era muito lento e movia-se apenas 1m a cada 10-15 minutos, pois precisava de tempo para calcular os seus próximos movimentos (4).
Esta tecnologia avançou significativamente desde então, mas os princípios básicos encontrados no design do “Stanford Cart” ainda são usados nos carros autónomos modernos. Estes princípios consistem em três componentes: um componente sensorial, um componente computacional e um componente actuador. O componente sensorial permite o acesso às redondezas do veículo por meio de câmaras, radar, LIDAR (uma espécie de radar que usa luz) e posicionamento de satélite. O componente computacional interpreta os dados sensoriais, faz previsões sobre como uma dada situação se desenvolverá e toma decisões de acordo com isso. Essas decisões são então executadas pelo componente actuador que, por exemplo, acciona os travões ou dirige o carro numa determinada direcção. Estes componentes são configurados num circuito fechado, o que significa que, enquanto uma decisão está a ser executada, esta é reavaliada e ajustada usando os dados sensoriais recém-adquiridos. Este reajuste constante permite que os carros autónomos sejam flexíveis o suficiente para o seu uso em vias públicas.
Embora câmaras, outros sensores e actuadores controlados por máquinas tenham sido tecnologias estabelecidas à décadas, o componente computacional que os liga nunca foi eficaz o suficiente. Isso fica claro quando percebemos quais é que são as suas tarefas principais. Em primeiro lugar, este componente deve integrar diferentes dados sensoriais para criar um mapa dos arredores do veículo. Em segundo lugar, o componente precisa de detectar e classificar objectos de maneira fidedigna – como outros carros, sinais de trânsito ou peões. Em seguida, deve-se ter em consideração informações prévias para extrapolar a situação actual (por exemplo, se um peão continuará a atravessar a rua). Por fim, deve definir uma reacção que aproxime o veículo de seu destino, respeitando no entanto as leis e evitando acidentes. Para tornar a situação ainda mais difícil, todas estas tarefas devem ser executadas em tempo próximo do real (5). Tudo isto só se tornou viável recentemente, através de um aumento no poder de processamento e do desenvolvimento da aprendizagem de máquina. Especialmente este último, abriu a porta para a classificação de objectos e tomada de decisão, uma vez que removeu a necessidade de programar manualmente objectos e cenários individuais. Em vez disso, os engenheiros usam dados de simulações e situações reais de trânsito para treinar uma inteligência artificial para dirigir um carro de forma fiável (6).
No entanto, existem duas limitações para esta abordagem. Uma é que a inteligência artificial só será capaz de lidar com situações semelhantes aos dados com que foi treinada. Se esta encontrar uma situação desconhecida, a sua resposta será imprevisível e potencialmente perigosa. Isto foi ilustrado de forma trágica, quando um Tesla em piloto automático classificou erradamente um camião branco como céu e bateu nele, matando todos os seus passageiros (7). A outra limitação é o tempo que a inteligência artificial necessita para tomar decisões. Em situações de desenvolvimento lento e previsíveis, como numa auto-estrada com pouco trânsito, os carros autónomos apresentam um desempenho muito bom, pois podem antecipar o futuro de forma robusta e têm muito tempo para planear o seu comportamento. Em situações de mudança repentina e imprevisíveis, como por exemplo, um animal que se atravessa na estrada, os carros autónomos precisam de reagir rapidamente e podem não ter tempo para encontrar e executar a resposta ideal (8).
Carros autónomos não podem individualmente aproveitar todo o potencial desta tecnologia. Isso só pode ser alcançado através da ligação e coordenação de vários carros. Veículos autónomos ligados podem coordenar o seu comportamento de travagem e aceleração para evitar a criação de congestionamentos ou acidentes (2, 9). Além disso, grupos de veículos – os chamados coortes – podem comunicar com semáforos para requisitar e coordenar uma onda de sinais verdes (10), tornando o fluxo do tráfego mais eficiente.
Contudo, a tecnologia de carros autónomos também tem as suas desvantagens. Alguns estudos sugerem que os veículos autónomos levarão a um aumento do volume de tráfego, uma vez que mais pessoas – como crianças, idosos ou pessoas com deficiências – terão acesso a estes veículos por meio de serviços de aluguer como o Uber (11,12). Isso pode até levar ao desaparecimento dos sistemas de transporte público ecologicamente conscientes, como os comboios ou autocarros, devido ao alto nível de flexibilidade e conveniência que os carros autónomos prometem. Isto levaria a um aumento adicional no volume de tráfego, pois mais pessoas viajariam em carros individuais, que possuem uma capacidade de passageiros baixa em relação ao seu tamanho (13). Além disso, a natureza interligada da infraestrutura dos veículos autónomos tem um grande potencial para facilitar a vigilância e rastreamento dos movimentos de um indivíduo (14). Mais ainda, de momento não é claro o se o proprietário do automóvel ou o seu fabricante são responsáveis em caso de acidente (15).
Apesar destes problemas, empresas como a Waymo e Uber começaram recentemente a lançar versões iniciais de esquemas de aluguer de automóveis autónomos em locais específicos (16, 17). A Waymo está até a testar a sua tecnologia em camiões autónomos para o sector de logística (18). Com as empresas de tecnologia já a explorar o mercado d tecnologia de carros autónomos, é crucial que as questões legais e estruturais que vêm com isso sejam abordadas o mais cedo possível para preparar o caminho para carros autónomos.
Referências:
- Wiggers, K., Autonomous vehicles should benefit those with disabilities, but progress remains slow, VentureBeat (The Machine), 2020
- Bertoncello M., Ten ways autonomous driving could redefine the automotive world, McKinsey & Company, 2015
- Lanctot, R., Accelerating the Future: The Economic Impact of the Emerging Passenger Economy, Autonomous Vehicle Service (Strategy Analytics), 2017
- Moravec, HP., The Stanford Cart and the CMU Rover, Proceedings of the IEEE, 1983
- Bimbraw, K., Autonomous cars: Past, present and future…, IEEE Xplore, 2015
- Field, H., Self-driving cars are being trained in virtual worlds while the real one is in chaos, MIT Technology Review, 2020
- Yardon, D., Tynan D., Tesla driver dies in first fatal crash while using autopilot mode, The Guardian, 2016
- Shi, L. et al., Autonomous and Connected Cars: HCM Estimates for Freeways with Various Market Penetration Rates, Transportation Research Procedia, 2016
- Arieff, A., Cars Are Death Machines. Self-Driving Tech Won’t Change That. New York Times, 2019
- Yang, K., Isolated intersection control for various levels of vehicle technology: Conventional, connected, and automated vehicles, Transportation Research Part C: Emerging Technologies, 2016
- Litman, T. Autonomous Vehicle Implementation Predictions: Implications for Transport Planning, Victoria Transport Policy Institute, 2014
- Bierstedt, J. et al., Effects of next-generation vehicles on travel demand and highway capacity, White Paper, 2014
- Gruel, W. et al., Assessing the Long-term Effects of Autonomous Vehicles:A Speculative Approach, Transportation Research Procedia, 2016
- Anderson, M., The Self-Driving Car is a Surveillance Tool, IEEE Spectrum, 2019
- Goodall, NJ., Vehicle automation and the duty to act, Proceedings of the 21st World Congress on Intelligent Transport Systems, 2014
- Hawkins, AJ., Waymo’s driverless car: ghost-riding in the back seat of a robot taxi, The Verge, 2019
- Paul, K., Uber to bring back self-driving cars in California for first time since 2018 death, The Guardian, 2020
- Wiggers, K., Uber to bring back self-driving cars in California for first time since 2018 death, VentureBeat (The Machine), 2020